domingo, 18 de março de 2007

Casa vazia

O amor mandou dizer que se mudou pra longe, tão longe que nem sabe onde é. Saiu rindo e às pressas, egoísta. Levou os lápis de cores e me deixou uma folha em branco, um ponto de interrogação em negro.
Mas antes de sair fez de mim sua morada. Abriu portas, janelas, chaminés, varandas e porões. Iluminou tudo, mostrou onde estava cada detalhe de minha vida e do que eu queria viver. Fez-me respirar. Fez-me sondar cada onda do meu íntimo espelhado, questionando se amava ou não. Fez vibrar a corda do equilíbrio em mim.
Tomou banho comigo. Banhou-me com óleo e me secou com olhares. Fez meu corpo amar o atrito. Minha boca amálgama da sua. Ah! Que eu consiga esquecer os momentos em que gritei de prazer, o amor olhando pra trás a sorrir pra mim!
Fez nascer quase tudo que não se semeia. Fez com que todos os erros parecessem, de repente, superados e corrigidos. Fez com que os acertos distantes ficassem mais próximos, quase palpáveis. Fez com que a saudade fosse apenas uma palavra, que talvez nunca se concretizasse.
E de repente foi embora.
Deixou a casa vazia. Fechou as portas, trancou as janelas, cimentou a chaminé, quebrou o piso da varanda e trancou tudo no porão. Tapou meu nariz e colocou mordaça. Faz-me calar Em cada fibra desse músculo insistente e teimoso está a pergunta: Existiu? Agora reina um silêncio escuro por toda a casa. Sou eu.